Um festival de música exploratória

  1. O verbo é explorar.

A 8ª edição do Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora, 1999) dá-nos vários significados, entre os quais: “tratar de descobrir; pesquisar; observar; desfrutar; percorrer uma zona ou local para aprofundar o seu conhecimento…”

A par, lembremos E.H. Gombrich: “Não existe realmente algo a que se possa chamar Arte. Existem apenas artistas” (A História da Arte, 2005, Ed. Público, p.15).

Na sua grande maioria, o trabalho dos artistas, em especial aqueles que marcaram a história da arte, teve sempre um cunho experimental e inovador.

Novas técnicas, novos instrumentos, novas experiências fizeram evoluir a pintura, a escultura, a música… e permitiram o aparecimento de novas formas de arte, como a fotografia, o cinema.

A arte contemporânea beneficia ainda, em múltiplas dimensões, das novas possibilidades e experiências que a eletrónica e a revolução digital trouxe consigo. As novas tecnologias invadiram todos os campos da nossa vida e a arte não podia ficar de fora.

Ao longo da história, muito do que era novo, ou entrava em rutura com padrões estabelecidos, era recebido com estranheza ou simplesmente ignorado ou marginalizado. Qualquer história da pintura ou da música, por exemplo, permite detetar uma imensa lista de nomes que não conheceram qualquer forma de êxito em vida ou apenas foram apreciados por uma minoria. Essa falta de reconhecimento artístico, pelos pares ou pelo público, permite organizar um longo desfile de artistas de quem, hoje, afinal, conhecemos bem o nome e a obra.

Foi nisto que pensei, no passado dia 4, na ADAO, depois de ouvir Mariam Rezaei e Donna Candy.

E pensei nos 20 anos do OUT. FEST.

Haverá sempre quem se excite por ver o nome da sua terra ligado à palavra festival. Isso pode ser entendido como manifestação de amor à terra em causa. Mas o ponto não é esse. Dos festivais poderá dizer-se o que Vasco Santana dizia dos chapéus, tantos são os que, todos os anos, engrossam o rol da oferta cultural no nosso país e pelo mundo fora. E ai da terra que não tenha o seu festival (do que quer que seja) …

O que o OUT. FEST tem de bom, salvo melhor opinião, é que, mais do que tudo, está interessado em apresentar artistas que querem aprofundar os seus conhecimentos e descobrir novos caminhos para a música em suma, explorar outras músicas, na fronteira da imaginação, do risco.

Não importa que música, de tantas destas músicas, perdurará. Quem cria para agradar, acaba esquecido. Rui Pedro Dâmaso, no seu texto para o livro da efeméride – com testemunhos muito interessantes, preciosas colaborações fotográficas e um magnífico design gráfico (parabéns José Mendes) lembra alguns comentários jocosos. Entre outros, “Para mim, isto não é música…” é o que me parece mais significativo. Muito provavelmente, o mesmo se terá ouvido, por exemplo, no aparecimento da atonalidade, de Schoenberg e da Segunda Escola de Viena, ou perante as experiências de Stockhausen e outros seguidores. Comentários desse tipo sempre foram ouvidos ao longo da história, uns justos, outros profundamente injustos não sei. A verdade é que, muitos dos artistas que persistiram, perduraram. Os exemplos dados marcaram a música do século XX e abriram novas formas de diálogo com outras artes, como o cinema e o teatro e fazem hoje parte de um património cultural incontornável.

Devemos agradecer ao OUT. FEST e aos seus diretores e programadores o trabalho de manterem outra janela aberta para a música. Devemos-lhes também a alegria de, ao longo de 20 anos, prosseguirem o seu objetivo levando o festival a um grande número de espaços, mais ou menos convencionais, numa cartografia algumas vezes improvável, mas que nos aproxima da cidade onde vivemos.

Na música, como no amor, vale sempre a pena arriscar. Porque a música, tal como o amor, são eternos.

Os gregos acreditavam na origem divina da música e consideravam-na inseparável da aritmética. As proporções matemáticas que estão presentes nos sons e nos ritmos musicais espelhariam os movimentos dos corpos celestes e a harmonia do cosmos. Algumas das suas intuições permanecem atuais.

Que sabemos nós acerca da música do futuro?

Autor: Jorge Cardoso

Fotografia: Pedro Roque

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