SHAPE+: À conversa com Bruno Silva, Joana de Sá, Joana Guerra e nëss

Nos dias 12 e 13 de Abril, o Convento da Madre de Deus da Verderena, no Barreiro, acolheu um fim de semana dedicado por inteiro à plataforma europeia SHAPE+, apresentando artistas da sua “colecção” 2023/24, incluindo a estreia absoluta de duas colaborações inéditas entre artistas SHAPE+ e talentos nacionais, comissariadas para este evento especial.

Terminado o evento, reunimos alguns dos testemunhos e conversas que foram colhidas ao longo destes dias com os artistas.

Bruno Silva

– Como correu esta residência artística? O que destacas sobretudo sobre essa semana?

Experiência gratificante e chillada a todos os níveis. Houve desde logo uma empatia humana entre mim, nëss e Francesca que possibilitou um ambiente criativo bem frutífero e abençoado. Acho que enquanto triângulo conseguimos canalizar as nossas visões individuais num acto colectivo coeso e, e acima de tudo, revelador. Claro que todo o trabalho de estúdio e ensaio foi potenciado por almoços e jantares plenos de ideias e espírito, giros relaxados pela cidade e cantorias. Para além da incansável energia e boa onda da OUT.RA. Tudo.

– Que benefícios e/ou desafios encontras nas residências artísticas, e em particular nestas de curta duração?

Não tenho uma grande experiência nesse sentido, exceptuando algumas residências que tenho feito no âmbito de uma peça de teatro/performance para a qual ando a trabalhar faz cerca de um ano e cujo contexto é bastante diferente, pelo que não tenho grandes pontos de comparação. Posto isto, e neste caso em particular, havia sempre uma expectativa latente em saber como seria a nossa relação humana e “de trabalho” com a Francesca, da qual apenas conhecia a música. No caso de nëss, não existiam tantas dúvidas, dado que havia já uma amizade e estava bem familiarizado com o trabalho delu. Mas, bateu logo tudo certo desde início, e apesar da curta duração, nunca sentimos qualquer pressão. A sinergia potenciada em ambiente neutro e de descoberta conjunta – por assim dizer – por este tipo de residências esteve lá desde logo. Nada foi forçado, mas sim vivido. 

– Podes falar um pouco sobre ligações que tenhas com o Barreiro? Quando foi a primeira vez que estiveste cá e que memórias tens do Barreiro?

Tanto e tanto por escrever sobre isto. Uma ligação a fazer quase vinte anos repleta de memórias, algumas delas já meio difusas, mas (quase) todas envoltas numa aura de felicidade. A primeira visita foi em 2006, naquela que foi a terceira edição do OUT.FEST – numa relação onde desempenhei inúmeros papéis e que ainda hoje continua – para tocar pela primeira vez com Osso, banda que tinha com o Carlos Nascimento na altura. Demasiados momentos para que possa resgatar algum em particular à memória. Cidade onde fui mais bem acolhido e onde sinto ainda um espírito comunitário como em nenhuma outra. O título de cidadão honorário está aqui muito bem guardado.

Joana de Sá

– Como correu esta residência artística? O que destacas sobretudo sobre essa semana?

Foram dias trabalhosos, muito preenchidos, dado o curto espaço de tempo e as respostas que daqui teriam de advir, mas isso não foi impedimento, por outro lado, penso que beneficiamos bastante, uma vez que implicou alguma eficácia horária e resposta rápida a problemas inerentes às nossas atividades de gravações de campo. Por exemplo, por vezes, o vento não ajudava, outras vezes era o próprio vento que produzia o som nos objectos que encontrávamos. 

É importante referir e agradecer à OUT.RA que proporcionou e acompanhou esta experiência. Destaco, sobretudo o companheirismo e cooperativismo entre as três e, sem dúvida, a amizade que ali se criou. Foram longos dias de conversas, partilha de ideias e de aprendizagem. Penso que tanto eu, como a Joana e Manja, tivemos espaço e liberdade para discutir opiniões, refinar um ponto ou uma composição, sugerir meios e abordagens musicais, quer para o concerto de apresentação quer para a instalação de apresentação de trabalho de campo; houve possibilidade de perceber, as abordagens e interesses de cada uma, uma vez que num mesmo local, pudemos debruçar-nos individualmente num objecto ou num sítio específico e, no fim, reunir todo o material numa identidade colectiva.

– Que benefícios e/ou desafios encontras nas residências artísticas, e em particular nestas de curta duração?

Penso que as residências artísticas são excelentes formas de desbloqueio, dependendo do outcome que se quer. Acho que, partindo da ideia de uma residência cujo objecto final, a captura ou formulação de material que terá de ficar pronto ao fim dos dias definidos de trabalho é realmente motivador. Pessoalmente tendo a ser muito minuciosa e questiono muito se um som deve aparecer aqui ou ali, quando é necessário processar um pedaço, um instrumento, cortá-lo ou mantê-lo puro numa linha composicional e penso que, nestes casos, onde o espaço de tempo é curto, as decisões são, quase sempre, necessariamente imediatas. É uma coisa que implica uma destreza e um método de trabalho instantâneo. 

– Podes falar um pouco sobre ligações que tenhas com o Barreiro? Quando foi a primeira vez que estiveste cá e que memórias tens do Barreiro?
A minha relação com o Barreiro é relativamente recente. A primeira vez que estive na cidade foi a propósito do OUT.FEST 2022. Na altura, o amigo Barreirense Tiago Sousa mostrou-me um pouco da cidade. Pude, com a distribuição de concertos do festival conhecer alguns sítios como a ADAO, a Sala 6, a Biblioteca Municipal, SIRB “Os Penicheiros ou o Largo do Mercado 1º de Maio.  Quis o destino que no ano a seguir, fosse tocar precisamente a algumas das salas que visitei, aquando da visita de 2022 — a Sala 6 e o Auditório da Biblioteca Municipal, no OUT.FEST 2023. Tenho bonitas e felizes memórias desses dois concertos. Em residência e em contacto com o pessoal da Associação OUT.RA, soube um pouco mais acerca do Barreiro, desde o passado industrial, legado operário ou histórias sobre os locais ribeirinhos, junto aos moinhos do rio Coina e cais fluvial. 

Foto: David Madeira

Joana Guerra

– Como correu esta residência artística? O que destacas sobretudo sobre essa semana?

A residência artística e o concerto correram lindamente, de forma fluida, comunicativa, criativa e inspiradora.

No final da nossa semana conjunta, apresentámos dois objetos sonoros diferenciados: uma instalação sonora e um concerto. Para a composição da instalação, realizámos gravações de campo em duas paisagens distintas do Barreiro (antigo parque industrial no Lavradio e na zona ribeirinha). É difícil destacar um só momento de uma semana tão especial, mas gostaria de sublinhar a experiência imersiva e contemplativa de captação de sons, a partir dos elementos naturais da paisagem (água, vento, rocha) e dos materiais abandonados no cenário industrial (metal, betão, plástico). Perante a mestria da Manja Ristić e a curiosidade criativa da Joana de Sá, pude aprimorar a escassa prática que tinha em field recordings. Quero também destacar os concertos que se realizaram no Convento da Madre de Deus da Verderena, um palco ideal para acolher estas viagens sónicas colectivas. Ainda, destaco o acolhimento e acompanhamento da associação OUT.RA, ao longo de toda a semana, sempre atenta e facilitadora para que tudo corresse bem.

– Que benefícios e/ou desafios encontras nas residências artísticas, e em particular nestas de curta duração?

Neste caso, nós (eu, Joana de Sá e Manja Ristić) não nos conhecíamos pessoalmente. Assim, o primeiro desafio baseou-se na ligação e conexão entre as nossas linguagens pessoais e artísticas. Felizmente, o entendimento foi instantâneo, intuitivo e constante, mantendo espaço aberto para que as ideias fluíssem livremente. Deu-se a “química”!

Este tipo de espaço e tempo em residências artísticas estimula uma concentração muito focada, gerando, muitas vezes, soluções criativas surpreendentes. Alicia-me esse estado agudo de partilha, de comunicação, de concentração, de adrenalina, com uma pitada de pragmatismo. São momentos de aprendizagem, individual e colectiva.

– Podes falar um pouco sobre ligações que tenhas com o Barreiro? Quando foi a primeira vez que estiveste cá e que memórias tens do Barreiro?

A minha primeira memória vívida do Barreiro remonta a 2010 e é de um concerto do pianista e compositor Tiago Sousa, onde acompanhei-o ao violoncelo,  ao lado do Rui Dâmaso e de Ricardo Ribeiro, no Cineclube do Barreiro. Os acontecimentos e a música dessa noite resistem nítidos e corpóreos! Desde então, tem sido a música, na maioria pelas mãos da OUT.RA, que me tem guiado de volta ao Barreiro, seja como espectadora ou como participante activa.

Foto: João Duarte

nëss

– Como correu esta residência artística? O que destacas sobretudo sobre essa semana?

Sinceramente superou mesmo as minhas expectativas. Por alguma razão já sentia que iria correr bem, estava com um bom feeling, mas correu mais do que bem. Foi fluído, abriu-me a novos horizontes na relação que tenho com a minha guitarra e senti uma sensação de paz e descontração todos os dias da semana. Acho que o destaque para mim foi mesmo o cenário todo do Barreiro e a relação que tivemos os 3 na residência.

– Que benefícios e/ou desafios encontras nas residências artísticas, e em particular nestas de curta duração?

Eu por acaso sou uma pessoa que gosta de trabalhar sobre “pressão” e normalmente crio melhor quando tenho menos espaço para pensar sobre as coisas do que quando tenho demasiado tempo. É algo já semelhante com a forma como trabalho sozinho, muitas vezes as minhas composições surgem do nada e normalmente umas horas ou até minutos antes de as apresentar, então para mim até resulta bem. Claro que ao trabalhar com outres artistas, acabas por ter que adaptar-te ao modo de trabalho de cada um, então aí talvez seja mais um desafio mas se toda a gente tiver com mente aberta e humildade acho que resulta independentemente do contexto. É só seres fléxivel penso. Mas eu particularmente gosto de fazer coisas diferentes com a música, por isso adoro estes desafios principalmente se requerem um pouco de improviso e fazer coisas fora do que estou habituado.

– Podes falar um pouco sobre ligações que tenhas com o Barreiro? Quando foi a primeira vez que estiveste cá e que memórias tens do Barreiro?

A primeira vez que estive no Barreiro foi em contexto de trabalho, quando trabalhava em fotografia – já foram há bastantes anos. Mas mais tarde voltei em contexto de gig, que se realizou na ADAO. Não tive tanta percepção do sítio em si porque estive lá à noite, mas lembro-me que já nessa altura senti que fazia-me lembrar um pouco onde eu cresci, na linha de Sintra, o tipo de arquitectura e as pessoas, o que me fez sentir bastante em casa. Mas desta vez, em residência, acho que tive um olhar mais sério e sinceramente apaixonei-me bastante pelo Barreiro, via-me a viver lá porque cruza dois mundos aos quais me sinto muito apegado, o espírito de comunidade de pessoal que mora em periferias (que só quem vive entende do que falo)  e a parte do mar/rio, a parte mais pescadora por assim dizer que me deixa sempre muito inspirado, tudo o que tem conexões com mar, deixa-me sempre em paz porque desde criança sempre tive um laço muito grande com elementos de água. O Barreiro tem paisagens incríveis, a comida ainda mais o é, e as pessoas também o são. Quero muito voltar e conhecer mais.

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