Pinha: “Achei engraçado perceber que tínhamos deixado algo de positivo nas pessoas e na cidade”

Fundador de bandas como Gasoleene ou The Brooms, Johnny Pinha apanhou o Último Barco para nos contar como começou a tocar, como era o rock nos anos 90 e os próximos projectos que tem na calha.

Como foi a tua infância no Barreiro?

Foi na Vila Chã. Eu vim para cá com nove anos, de Castelo Branco, para um bairro cuja  maioria das pessoas tinham vindo de África. Foi aí que eu cresci e que foi muito interessante. Era um meio onde havia muita partilha de música. Existiam muitos bailes e eu sempre tive o gosto pela música.

Com que idade começaste a tocar?

A fingir que tocava, para aí aos 14 ou 15 anos. Na altura apareceu o breakdance e o beatbox, e foi a primeira cena em que a malta se juntou. Ia para a rua tentar fazer alguma coisa, sons pré – gravados numa cassete e aqueles movimentos de dança que vimos no filme Beat Street – até fomos em bando a Lisboa ver o filme no Condes. Depois comecei a ouvir o Som da Frente e descobri outras coisas. Juntei-me  com malta do bairro para fazermos uma coisa muito caseira: juntámos umas tábuas com umas canas de pesca e uns bidons de óleo, e sacámos dali um som, e até gravámos aquilo em cassete com uma capa como se fosse um álbum – chamava-se Broken Glasses. Foi a minha primeira banda, os The Voice. No fundo, era mais a fingir que tínhamos bandas. Assim mais a sério, foi os Carrocel Mágico, que já existia. Um amigo meu de escola de Santo André, o César, convidou-me para ir a um ensaio e eu comecei a ir. Eles ensaiavam nos Casquilhos. Os ensaios deles era basicamente concertos, aos sábados à tarde. Às tantas, convidaram-me para entrar na banda.

Como guitarrista?

Sim, como guitarrista. Passado um tempo a banda acabou. Saiu o teclista e o outro guitarrista, e decidimos acabar. Formámos os Gasoleene. Fiquei eu, na guitarra, o Miguel, na bateria, e o António Jorge, que era o baixista. Ficámos uns tempos só os três e depois conhecemos o Nelson, o Fast Eddie, e convidámo-lo para entrar.

Gasoleene

As letras eram tuas?

A grande maioria eram minhas, mas o Miguel também fazia algumas. O Nelson também começou a fazer letras e músicas. Ainda tive outra banda ali pelo meio, durante seis meses, que erámos os três ex-Carrocel Mágico mais um rapaz do Montijo, o Luís Gago. Eramos os Buzz Bug e gravámos uma maquete. Ainda demos um concerto na Gare, nos anos 90, fizemos a primeira parte de uma banda e depois acabámos. Ficámos a sério nos Gasoleene.

Que foi uma das bandas, aqui do Barreiro, que teve mais sucesso. Vocês tinham a noção disso na altura?

Quando começamos a tocar a sério, ensaiávamos três vezes por semana. Sempre foi um objectivo nosso tocar fora daqui. Conseguimos tocar em alguns eventos da Câmara de Lisboa, passar na rádio, entrámos numa coletânea da Antena 3, que também nos deu alguma visibilidade. Tinha temas dos Da Weasel, Blind Zero e por aí. Conseguimos ir à Galiza tocar. Fizemos algumas primeiras partes dos More República Masónica, que na altura eram conhecidos. Estávamos associados ao espirito DIY da editora Bee Keeper. Também passámos pelo Johnny Guitar, e mesmo no Barreiro fizemos vários concertos.

Como é que a banda acaba?

Chegámos a uma altura em que queríamos lançar o disco e tentamos arranjar uma editora. Ninguém mostrou interesse e editámos nós o disco. Mas logo a seguir acabámos. Parecia que faltava algo para dar o salto que não existiu. Eu depois também casei e o pessoal começou a trabalhar para fora, e seguimos caminhos diferentes.

“Mas só anos mais tarde é que tive a noção que, não só os Gasoleene, mas também os Toast ou os Unladylike Scream, tinham deixado alguma semente para o pessoal mais novo, para ir a concertos e fazer música. Achei engraçado perceber que tínhamos deixado algo de positivo nas pessoas e na cidade.”

Depois dos Gasoleene, o que houve?

Tive parado uns anos, tive filhos também. Talvez em 2008 ou 2009 fui convidado para ir para os Sullens, que tiveram vários membros. Eles surgiram em 1997, acho eu, e o Manuel, o fundador desafiou-me e entrei. Tocámos juntos durante uns quatro ou cinco anos, depois acabámos. Entretanto, já tinha os Planeta Quadrado, com o Paulo Kolapso. Ele queria fazer um projecto em português, assim a dar para o punk, e assim foi. Ainda duramos uns seis anos. Finalmente, apareceram os The Brooms, em 2015, e foi até hoje.

Nos The Brooms, o teu projecto actual, és vocalista, guitarrista e letrista?

Sim, exacto. É mais porque ninguém quer cantar. Eu preferia ser só acompanhante, és menos exposto. Mas pronto, como também faço as músicas, acaba por ser mais fácil para ir atrás daquilo que se pretende.

O teu imaginário de letras tem como base experiências pessoais?

Sim, o início dos The Brooms, por exemplo, tem muito que ver aqui com o Barreiro. Voltando um pouco atrás, é um pouco é aquela ideia de que aqui no Barreiro não se passa nada. Eu comecei a ir ao Barreiro Rocks e foi aí que ganhei alguma inspiração, em bandas como os Act-Ups ou os Los Santeros. Mesmo o Fast Eddie Nelson. E surgiu-me novamente a vontade de fazer coisas. Estava cá o bichinho adormecido. O Barreiro tem isso, eu sinto essa chama que há. E o primeiro disco é algo baseado nessa ideia.

Mas sentes que o panorama musical no Barreiro está mais esmorecido? Face aos anos 90?

Não acho que esteja mais esmorecido, até pelo contrário. O que acontece é que nos anos 90 estava tudo mais concentrado no Barreiro velho. Havia muitos bares e sítios, como o Alburrica, que chegou a ter concertos, e era um espaço pequeno. Havia a Gare, que também dava concertos. E tinha amigos meus de Lisboa que até vinham sair para o Barreiro, achavam muito interessante, e até comparavam com o Bairro Alto. Mas isso morreu um bocadinho também, no início dos anos 2000. Acho que agora as coisas estão mais espalhadas. Tens os Penicheiros, a ADAO, a Gasoline. As coisas estão mais dispersas mas são mais diversificadas. Há mais oferta. Por isso sim, acho que está melhor agora. Hoje também há mais meios, melhores condições. Antigamente, era tudo em cima do joelho. Era tudo muito instintivo. Na altura, iam os amigos e os amigos dos amigos, não se conseguia a divulgação que se consegue hoje.

Qual foi o teu maior feito enquanto músico?

Tocar no Barreiro Rocks. Foi algo espectacular, é das melhores recordações de concertos que tenho. Agora também tive com os The Brooms em Badajoz e também foi muito bom. É sempre bom sair daqui, de vez em quando.

Achas que faz falta o Barreiro Rocks?

Acho que sim. Seja com outro nome ou não, mas sim. Estava-me a esquecer também de um evento que se fez aqui durante uns anos, o “Baixo Isso, Olha os Vizinhos”. A ideia foi inverter a situação de que estava tudo muito parado e com poucos concertos. Chegámos a fazer nos Penicheiros e na Locomotiva, e foi um conceito muito interessante porque as bandas não recebiam, só tinham a exposição. E tínhamos sempre muito público. Eu gosto desse espírito, de interajuda.

Para ti nunca esteve em cima da mesa viver da música?

Nos anos 90, ainda pensei que fosse possível. Até porque não gostava de fazer mais nada a não ser tocar. Mas depois percebi que não, tive que arranjar um trabalho para me sustentar. Eu nem sei como é que há malta que consegue viver da música, sinceramente. Com casa ou filhos, não sei mesmo.

O que achas que falta para os músicos conseguirem ter mais autonomia financeira?

É um pouco de tudo. Tem de haver mais interesse do público, mais interesse dos espaços e bares. Paga-se pouco aos músicos também. E há uma coisa que acho que era fundamental para ter mais público, que tem que ver com a mudança de horários em que se dão concertos, especialmente a dias de semana. Toca-se muito tarde. Eu cheguei a vir do Cais do Sodré, dormir duas horas e ir para o trabalho. Eu gosto daquela ideia dos concertos ao fim da tarde. Estilo nórdico. Mas também compreendo que os espaços precisem de explorar mais a noite. É difícil.

Tens novos projetos em vista?

Com os The Brooms estamos a terminar o terceiro álbum. Ficou a meio na pandemia mas estamos agora a finalizá-lo. A ideia é sempre andar para a frente e não estagnar. Chateia-me estar sempre a fazer a mesma coisa.

Continuas com aquela vontade de estar sempre a criar?

Sim, até ter vontade. Houve uma altura que achava que não, estive uns 10 anos sem tocar. Mas agora não páro. Isto é uma terapia, faz-me bem à cabeça.

Qual o concerto que viste que mais te marcou?

Talvez o John Cale, a solo, na Aula Magna, nos anos 90. Eu adoro The Velvet Undergroud, e ele praticamente só tocou Velvet. Mas também o primeiro do Nick Cave em Portugal, no Pavilhão Carlos Lopes. Ou os Mão Morta, no Rock Rendez Vous, quando o Adolfo cortou a perna. Estes três foram os mais marcantes.

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