OUT.FEST 2023: “Mais de metade das pessoas que vêm ao OUT.FEST não vivem no Barreiro”

A poucos dias do início da 19ª edição do OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro, estivemos à conversa com Rui Pedro Dâmaso e Tiago Franco, que nos contaram um pouco mais sobre esta edição, os espaços onde vai decorrer, alguns nomes a reter e os obstáculos que um programador cultural enfrenta no actual panorama económico.

Ao longo dos quatros dias de festival, quais os artistas que estão mais curiosos para ouvir?

Rui Dâmaso: Eu posso destacar-te dois ou três artistas, mas todos os anos eu penso sempre isto: o que temos este ano que seja diferente, ou que possa marcar pela diferença? E nesta edição temos mesmo muita coisa diferente entre si. Nós não programamos um género, programamos vários. E tudo encaixa no festival de forma muito natural. O facto de sermos várias pessoas a programar também ajuda a ter essa variedade. Olhamos para vários sítios possíveis. Este ano, por exemplo, temos algumas coisas especiais, concertos que vão acontecer pela primeira vez. A Clothilde & João Silva acabaram a residência há uns dias no AMAC, são dois músicos vieram tocar o ano passado ao Barreiro, na mesma noite mas em concertos separados, e logo a seguir entraram em contacto e mostraram interesse em tocar juntos. E nós ajudamos a fazer isso acontecer, e agora dá-nos muito gozo ver a estreia deste trabalho. Juntamos pessoas que se calhar não se iam juntar de outra maneira. Ou o concerto do Tiago Sousa, que vai tocar no órgão da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ele há uns meses enviou-nos um tema tocado lá na igreja e nós quisemos ouvir mais, e queríamos ter aquilo no OUT.FEST. Aquele órgão é um instrumento único. Além disso, o Tiago é uma pessoa que faz parte da OUT.RA desde o início. Estas coisas dão sempre um prazer especial. Também o Alvin Curran, que é um músico que vem do meio académico e que vem apresentar uma peça única em Portugal, que exige alguns 20 ou 30 músicos, e a grande maioria vão ser da Escola de Jazz do Barreiro ou da Banda Municipal. Por isso destaco estes, talvez. Ah e os ΔIII / XIII, que são uma fusão de Estranhas Entranhas e Cavernancia, que nós ouvimos e quisemos logo que viessem tocar ao OUT.FEST, onde se vão estrear ao vivo. Neste projecto tens lá o Cláudio e o Paulo, que já tocaram no OUT.FEST em 2005, quando ainda era Homem Cão Velho Morto. O Paulo também esteve envolvido na organização há uns 20 anos. É tentar ligar as pessoas que fazem parte desta comunidade. Todos estes têm assim um significado especial.

Tiago Franco: Eu destaco também o facto de termos artistas de todos os cantos do mundo. O Afrorack, que foi o criador do primeiro modular africano. Ou os Raja Kirik, da Indonésia, que também têm um som completamente fora e muito relacionado com a cultura deles.

Rui Dâmaso: Temos muita coisa mesmo, podíamos enumerar o cartaz todo practicamente.

Mas continuam, até de uma forma natural, a ter artistas locais, certo?

RD: Sim, não nos sentimos obrigados a programar músicos do Barreiro, mas dá um gozo especial tê-los no festival. Há malta do Barreiro que está a fazer um trabalho completamente digno de ser apresentado no OUT.FEST. Não é por serem de cá que os escolhemos, é mesmo pelo trabalho feito. Não temos quotas nem nada desse género.

Tal como a habitual variedade de géneros, há sempre uma grande variedade de espaços onde decorre o festival. Este ano há algum espaço que vão utilizar pela primeira vez?

RD: Nós todos os anos pensamos que temos de nos conter um pouco mais para não termos muito espaços. E este ano, a contenção foi tanta, que estamos a usar mais espaços do que alguma vez usámos, aconteceu o contrário. Porque pensamos sempre “era mesmo fixe fazer ali um concerto”, e ao fim de 19 anos continuamos a ter sítios que nunca explorámos. Vamos abrir o festival na PADA, que é uma estreia para o OUT.FEST. Vamos explorar também a Igreja de Santa Cruz, pela primeira vez.

Este ano os espaços estão mais perto uns dos outros, parece-me. Todos mais concentrados aqui no centro do Barreiro.

RD: Sim, porque o festival também tem essa premissa de colocar as pessoas a circular pela cidade. Daí tentarmos que as distâncias entre as salas não seja maior do que 15 minutos a pé. Mas no geral, são os espaços que já são tradição, com a excepção do PADA e da Igreja de Santa Cruz.

Em termos de afluência, como está a correr?

RD: O ano passado batemos o recorde de assistência, que foram 2900, quase 3000 pessoas. Este ano devemos estar lá perto, que é também o limiar do que o OUT.FEST pode acolher, sem se transformar noutra coisa. Por agora, queremos explorar o modelo que temos usado e depois logo se vê. Nós para o ano, por serem os 20 anos, é practicamente certo que vamos fazer uma coisa radicalmente diferente mas sem intenção de abandonar o modelo actual. Mas para o ano será uma edição de excepção. Estamos satisfeitos com estes números e esperamos ter tantas pessoas como tivemos o ano passado.

 

Têm noção da percentagem de público estrangeiro ou fora da cidade que venha ao festival?

RD: Nós vemos cada vez mais pessoas que são novos residentes do Barreiro ou gerações mais novas. Há também sempre alguns grupos que vêm de Lisboa. Eu diria que mais de 50% das pessoas que vêm ao OUT.FEST não vivem no Barreiro. Mas depende muito dos dias do festival, talvez a um sábado vê-se mais pessoas de fora. Mas temos muitos estrangeiros também, cada vez mais. Todos os anos há uma boa fatia de estreantes no festival.  E tem havido uma renovação de gerações, o que nos anima bastante porque nós, enquanto programadores, vamos envelhecendo e ficamos sempre receosos de não conseguirmos renovar o público. Mas felizmente temos tido muitos jovens no festival.

Já programam um pouco nesse sentido? Para chegar a várias gerações e idades?

RD: Isso é inevitável e é algo que acaba por acontecer naturalmente. Nós nunca programamos artistas que não nos digam nada. Mas é evidente que, em 30 e tal artistas, eu goste mais de uns do que outros. Mas é normal. Por isso é que a equipa de programação é composta por três pessoas, para haver muita variedade. O importante é reconhecer valor e pertinência para o festival. Nós sempre quisemos estar abertos a vários nichos.

TF: É essa convergência toda é algo que sempre me fascinou no OUT.FEST. Temos públicos diferentes e estamos todos juntos pela mesma razão, que é a música. Há uma grande partilha de vivências, ideias e gostos.

RD: Sim, isso dá um prazer gigante. Percebes que há uma pessoa que veio por uma banda, mas depois está a curtir outra banda que nunca tinha ouvido. Ao fim do dia, é mesmo isto que dá pica. É ver as pessoas a serem surpreendidas.

Este ano sentiram os efeitos da inflação na organização do festival?

RD: Está tudo louco, nem sei bem. E nem é tanto pelas bandas. Mas tudo o resto é absurdo. Se compararmos com festivais de há quatro ou cinco anos, nós temos serviços ou materiais que aumentaram o dobro do preço. Literalmente o dobro. Desde impressões, papel, aluguer de materiais. Só para aí um quarto ou um terço do orçamento do OUT.FEST é que é gasto nos artistas, o resto é para fazer isto acontecer. Mas apesar disto, esta edição é, talvez, a mais ambiciosa de sempre. Quando digo ambiciosa é pelo número de artistas e espaços, e estamos aqui a chegar ao limite do nosso modelo, por isso queremos explorá-lo ao máximo. De toda a inflação que existe, a que vem dos artistas é a mais justificada, quem me dera conseguir pagar-lhes mais até.

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