Doutorada e mestre em Estudos de Teatro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Paula Gomes Magalhães é investigadora do Centro de Estudos de Teatro da mesma Universidade. É licenciada em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Deu aulas na Escola Superior de Tecnologia e Artes de Lisboa, Escola Superior de Educação de Lisboa e Escola Profissional de Setúbal. Jornalista de formação, trabalhou durante mais de vinte anos em rádio (Radar, Voz de Almada e Sul e Sueste). É membro da ArteViva – Companhia de Teatro do Barreiro onde, há cerca de 30 anos, desenvolve atividade como atriz, formadora e encenadora. Publicou «30 Anos de ArteViva – Memórias… e outras estórias da Companhia de Teatro do Barreiro» (ArteViva, 2010); «Belle Époque – A Lisboa de Finais do Séc. XIX e Início do Séc. XX» (Esfera dos Livros, 2014); «Teatro da Trindade 150 Anos – O Palco da Diversidade» (Guerra e Paz, 2017); e «Sousa Bastos» (INCM, 2018)
Nasceste em 1971, no Barreiro. Como foi a tua infância e juventude aqui na cidade?
Eu nasci no Hospital do Barreiro e cresci no Alto do Seixalinho. Só quando fui para os Casquilhos é que comecei a frequentar mais o centro do Barreiro. E mais tarde, nos anos 90, tive aí uma vivência diurna e nocturna fortíssima. Enquanto criança, não tenho memória efectiva de alguma particularidade do Barreiro. Lembro-me, sim, que ia para a praia, a praia do Barreiro, com a minha mãe e a minha irmã, ainda com os toldos. Íamos de autocarro para a praia. Foi a minha única praia enquanto criança. Depois, tenho aquelas memórias de miúda, de brincar na rua. Eu passava os dias na rua a brincar até às tantas. A minha mãe ia à janela, à meia-noite, para me chamar para ir para casa…
Com 16 anos, entras na Rádio Sul e Sueste. Como surgiu esta componente na tua vida?
No 10º ano eu segui Humanidades e uma das disciplinas era Jornalismo. A minha professora era a Helena Vieira, que tinha uma forte relação com a Rádio Sul e Sueste. Ela falou-nos disso e o universo da rádio era algo importante para mim. Então perguntou-nos se nós tínhamos interesse em experimentar e eu disse que sim. Fui, gostei e quis ficar, e comecei a trabalhar com a Rádio Sul e Sueste. Depois fui criando relações com as pessoas que já lá estavam e ainda hoje os meus grandes amigos são do núcleo da rádio.
A rádio foi então o ponto de partida para seguires o curso de Comunicação e trabalhar em jornalismo.
Completamente, a rádio agarrou-me de imediato. Seguir para comunicação foi algo natural. Embora, já no final da licenciatura, e por via do estágio que fiz, tenha balanceado pela questão da televisão.
Mas não te atraiu?
Atraiu, por um momento, porque no quarto ano do curso estive envolvida num projeto da Marconi, que envolvia televisão, e isso foi muito sedutor para mim. Depois, na altura dos estágios, acabei por ir para a RTP. O estágio correu muito bem mas eu percebi que aquilo não era bem a minha área de jornalismo. Era um trabalho que não me apetecia muito fazer. A rádio era mais a minha praia.
Trabalhaste uma série de anos em rádio até que o teatro entra na tua vida. Hoje também estás ligada ao ensino e à investigação do teatro. Como se deu esta mudança?
Sim, o teatro já tinha uma grande força na minha vida, embora eu nunca tivesse pensado na possibilidade de fazer vida no teatro. Ainda assim, quando terminei a licenciatura, candidatei-me à Escola Superior de Teatro, mas por piada. Na altura não entrei. A minha vontade sempre foi ser jornalista e trabalhar em rádio, e isso aconteceu durante 21 anos. E mantive a minha ligação à ArteViva, como atriz. Mas houve uma altura em que o teatro foi ganhando outras dimensões, porque eu comecei a ter vontade de estudar e saber mais sobre teatro. Isso também aconteceu um pouco por via do curso de Ciências da Comunicação na FSCH. O curso tinha várias vertentes e eu fui escolhendo algumas disciplinas relacionadas com teatro e cinema. Aliás a minha especialização é em Audiovisuais e Media Interactivos. Portanto o interesse de estudar teatro veio logo daí. E claro, foi crescendo com a ArteViva. Depois tive a sorte de ter um horário na rádio que me permitiu frequentar um curso de teatro. Portanto, partiu daí.
Mas actualmente já não estás ligada à rádio. Foi uma mudança obrigatória pelo facto do teatro começar a consumir-te mais tempo?
Sim, eu deixei a rádio porque a investigação em teatro começou a ganhar um lugar muito grande na minha vida e nos meus interesses. Enquanto ainda estava na Rádio Radar, por via do Mestrado que fiz em Estudos de Teatro comecei a criar uma relação com os professores de teatro e com os membros do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras e fui-me envolvendo em projectos nessa área. Depois, tive um convite para participar numa bolsa a tempo inteiro e tive de sair da rádio. Foi uma escolha difícil, deixei uma vida de 21 anos dedicada à rádio – mas ainda não me arrependi. Gosto muito de trabalhar deste lado da investigação, ao nível do teatro. Sou um ratinho de biblioteca, gosto de passar várias horas a investigar sobre teatro. Depois descobri que também gostava de dar aulas de teatro. Hoje, para me relacionar com o teatro, não preciso de ser atriz, que era algo em que eu pensava quando entrei para a ArteViva. E fui-me afastando da área da representação e comecei a explorar outros caminhos na ArteViva, na formação e na encenação, por exemplo.
Além de encenadora e professora na escola de teatro da ArteViva, também tens uma ocupação profissional fora daqui?
Sim, eu neste momento sou investigadora a tempo inteiro, do Centro de Estudos de Teatro. E tenho também dado aulas noutros sítios, como na ESTAL ou na Escola Superior de Teatro. No próximo ano lectivo, por exemplo, vou lecionar na Faculdade de Letras.
Na ArteViva, além de encenares, também costumas escrever ou adaptar as tuas peças.
Sim. Pensámos desenvolver um projecto que fosse direcionado para os mais pequenos. Às tantas, peguei num livro chamado “Os Monstros lá de Casa” e comecei a fazer a adaptação para teatro. E saiu-me de uma forma bastante natural. E, a partir daí, as coisas foram acontecendo nessa lógica. Fui pegando em textos que não eram teatrais e transformei-os em peças de teatro.
As “Guardiãs da Carta”, em cena no AMAC, é uma peça da tua autoria e encenação. Como foi criar todo um espectáculo do zero, tendo apenas como referência o facto de ser uma obra que explicasse a história do Barreiro ao público mais jovem?
Não foi fácil. Neste caso, eu não tinha nada como ponto de partida, para além do mote: os 500 anos do Município do Barreiro. Portanto, não sabia que caminho dar a esta ideia. Não me apetecia só mergulhar na história do Barreiro. A primeira ideia que tive foi trabalhar o universo dos super-heróis. Pensei então nas particularidades dos super-heróis, como a velocidade ou a força, e relacionei esses poderes com características do Barreiro. A velocidade fez-me lembrar os moinhos. A força a questão dos pescadores – e andei por aí. Portanto, o universo dos super-heróis é a base, mas depois peguei também na temática dos guardiões, que não são necessariamente super-heróis. Comecei a escrever e a coisa foi saindo… E acho que estou contente com o produto final.
Dá-te mais prazer trabalhar textos não dramáticos e construir, a partir deles, espectáculos teatrais?
Bem, eu não me considero bem encenadora, como o Jorge Cardoso é há 41 anos, como a Carina Silva ou o Rui Quintas, onde há uma vontade de pegar num texto de teatro e de o trabalhar. Eu sinto mais vontade em pegar em alguma coisa e transformá-la para ser levada para cena. Talvez por achar que o texto teatral me limita e assim tenho mais liberdade, não sei. Nunca reflecti muito sobre isso. Mas no fundo, eu facilito o meu próprio trabalho. Gosto muito desse lado de quebrar os textos por completo.
Como tem sido a reacção deste público mais jovem ao longo dos anos?
Eu comecei por me interessar pelo teatro infantil porque tinha uma sobrinha pequena e ia muito com ela ver espectáculos – e mais tarde com o meu filho. E tinha uma grande vontade de fazer coisas que gostasse de ver. Às vezes, nem tudo o que eu via era particularmente estimulante. E, nessa altura, comecei a pensar que seria importante termos na ArteViva uma presença mais constante do teatro para os mais pequenos. O público infantil é um público muito inteligente e muito importante. É necessário que os espectáculos tenham uma dimensão que os mais pequenos gostem, mas que os que os acompanhem também sejam integrados no mesmo. Apresentar um espectáculo em que toda a gente se sinta confortável. E o público infantil é também muito exigente – mas as reacções têm sido óptimas.
Tencionas criar e/ou adaptar também espectáculos para adultos?
Não sei, eu já faço isso um pouco na Escola de Teatro da ArteViva, pois tenho algumas turmas de adultos. Entretanto, recentemente, trabalhei numa peça da Luísa Costa Gomes, “Vanessa vai à Luta”. Na altura, foi lançado o desafio ao ArteViva de trabalhar a questão da igualdade de género. Correu muito bem, foi um espectáculo com imenso sucesso.
Estás no ArteViva há 30 anos. Como perspectivas o futuro da Companhia?
Chegámos ao ponto em que não conseguimos crescer mais. Precisamos de um espaço novo. Claro que vamos continuar a trabalhar com a mesma vontade, mas creio que faz falta um novo espaço, para podermos ganhar a dimensão que eu acho que merecemos. Nós queremos fazer mais e melhor, e acolher mais gente. E neste momento, não é possível. Chegamos ao limite daquilo que nos é possível fazer aqui. Temos um número limite de alunos na Escola de Teatro e não temos condições para receber mais – apesar de termos pessoas interessadas. Temos um número limite de espectadores, com salas cheias muitas noites. Já estamos a ter demasiados limites no actual Teatro Municipal. Queremos fazer mais, mas não conseguimos.
E o teu futuro? É o teatro?
Sim, é o que eu gosto de fazer. É onde eu gosto de estar e onde me sinto bem. Eu gosto muito de investigar sobre a história do teatro e continuar esse percurso. Eu não me sinto completa se não trabalhar nas várias vertentes.