OUT.FEST 2021 (I) – Foi bom voltar a viajar em casa

Depois de um ano de interrupção forçada pela pandemia, o OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro regressou este ano em dose dupla.

O primeiro momento aconteceu nos dias 3, 4 e 5 de Junho, sendo que a festa continuará em Outubro, de 5 a 9. Desta vez, os vários concertos dividiram-se entre o Parque Paz & Amizade e o AMAC (Auditório Municipal Augusto Cabrita), mantendo a tradição do festival de utilizar mais do que um espaço, desta vez com uma distância bastante acessível entre os mesmos, de forma a não comprometer as horas de início e fim de cada espectáculo.

A abertura do festival esteve a cargo de Susana Santos Silva, trompetista e compositora do Porto que actualmente vive em Estocolmo. A artista fez-se acompanhar de mais quatro músicos: João Pedro Brandão no saxofone alto e flauta, Hugo Raro no piano e sintetizador,  Torbjörn Zetterberg no baixo eléctrico e José Marrucho na bateria. Ao longo de cerca de uma hora, assistimos a um espectáculo com uma mistura de sons bem interessante, onde o free jazz é uma constante, mas onde há espaço para ir para outros lados mais melancólicos e espaciais. Por vezes, encontramos alguns elementos de burlesco, fanfarra e até algum caos, mas sempre com uma linha condutora muito afincada e sólida. Houve também espaço para o silêncio e para cada um dos instrumentistas brilhar ou respirar, nunca se tornando repetitivo. Foi um belo final de tarde e uma excelente forma de começar o festival.

À noite, foi a vez de Rafael Toral subir ao palco do AMAC para aquilo que foi uma autêntica viagem com o seu Space Quartet, constituído por Hugo Antunes no contrabaixo, Nuno Morão na bateria e Nuno Torres no saxofone alto e instrumento eletrónico. A comandar a nave, está Toral no feedback eletrónico e acústico, mostrando um exímio controlo sobre os mesmos. Foi um excelente exemplo daquilo que é um concerto do OUT.FEST: algo que só pode ser experienciado ao vivo, onde a entrega dos artistas é total e, por vezes, esquecemo-nos que estamos num auditório, pois já passamos para um local onde só música nos transporta. A junção de todos os instrumentos com a forte presença do feedback oferece uma experiência impar, tarefa árdua dada a complexidade da integração dos vários instrumentos. No final, ficámos de barriga cheia e com elevadas expectativas para o dia seguinte.

No segundo dia, foram os Gala Drop que abriram o jogo no Parque Paz & Amizade. Este trio de Lisboa trouxe uma frescura e descontração que invadiu o coração daqueles que estavam na plateia, dando uma aula de música e de condução de vários géneros. Houve rock, eletrónica, algum pop, techno ou funk, num concerto que pedia claramente a possibilidade de dançar e sentir esta música de outra forma. Ainda assim, o público mostrou-se recepetivo à energia de Afonso Simões (bateria e percussão), Nélson Gomes (sintetizadores) e Rui Dâmaso (baixo e guitarra). Apresentaram uma série de temas novos, mostrando que, passados mais de dez anos, ainda conseguem percorrer novos trilhos sonoros.

Á noite, e já no AMAC, tivemos a transmissão do concerto de Svetlana Maraš, artista sérvia que nos apresentou o seu “Radio Concert No. 2”, naquela que foi uma estreia mundial no âmbito do projecto Unearthing the Music. Utilizando todas as potencialidades do sintetizador EMS Synthi 100, sentimo-nos arrebatados com o poder desta peculiar máquina. Com uma quantidade de sons fascinantes e muito espaciais, foi uma viagem bastante diferente mas que nos fez querer ir até aquela sala, na Sérvia, para sentir de perto aquela mescla sonora.

De seguida, tivemos o prazer de assistir a um grandioso concerto de Pedro Carneiro. Com um carisma único, explicando sempre ao público aquilo que estávamos a ouvir e as histórias por trás dessas peças, o músico português deu uma verdadeira aula de marimba, mostrando que é um dos melhores interpretes e executantes deste belíssimo instrumento. Apresentou um interessante e variado repertório, que passou ainda pelos jambés e outros instrumentos de percussão, mostrando sempre um controlo e execução de um nível alcançável por poucos. Infelizmente, não foi possível levar a última peça até ao fim,  uma vez que as limitações horárias impostas exigem que os espectáculos terminem às 22h30. Tivemos, ainda assim, direito a um encore de jambés para terminar em beleza. Esperamos, contudo, que seja uma boa desculpa para o ver e ouvir novamente, num concerto onde o tempo seja mais alargado.

O terceiro e último dia do festival abriu com Tristany, naquele que foi o concerto que mais nos surpreendeu. O artista da Linha da Sintra veio celebrar o primeiro aniversário do seu último álbum, que conta com uma maravilhosa mistura de rap com r&b, trap, rock, kizomba e reggae, tudo com uma roupagem inovadora e uma identidade muito forte. A sua banda, onde até existe espaço para um violino brilhar, deu o mote e Tristany, com a sua voz doce e melancólica, soube chegar ao público, que rapidamente se mostrou em sintonia, criando um dos momentos mais bonitos do festival. É um artista para acompanhar e desejar por mais música sua, seja ela qual for.

Já no AMAC, foi a vez de Gosheven apresentar a sua “Antipodal Polyphony”. O músico húngaro apresentou uma obra sonora e visual inspirada no som das flautas do povo ‘Are’are das Ilhas Salomão, tendo nesse mesmo dia dado uma palestra na Biblioteca Municipal sobre o processo criativo por trás deste trabalho. O resultado foi algo avassalador, potente e muito espacial. Por momentos, se fechássemos os olhos, tínhamos dificuldades em discernir tantos sons e ruídos que, todos juntos, conduziam-nos para um outro lugar. A viagem foi hipnótica mas valeu mesmo a pena.

Para fechar a noite, e este primeiro momento do festival, tivemos mais um momento inesperado mas bastante rico. Odete e Herlander apresentaram-se em conjunto para nos mostrar “Puellas Before Fellas”, um autêntico show musical, visual e com uma componente teatral impressionante e arrebatadora. Difícil de categorizar enquanto género, foi uma jornada por vários sons e temáticas que convergiram num só, mostrando uma grande ligação e sinergia entre estes dois artistas, que deram uma performance estonteante para um auditório rendido.

Foram oito concertos, oito momentos diferentes e recheados de talento. Foi bom voltar a viajar em casa e poder ouvir tanta e tão diferente música na nossa cidade.

Não poderíamos terminar sem fazer uma menção honrosa ao palco Paz & Amizade. É um espaço único e mágico, com uma acústica muito interessante, e esperamos que seja utilizado mais vezes. Resta-nos esperar por Outubro e pelos próximos artistas que vamos receber. Até lá, é ouvir tudo isto, uma e outra vez.

Fotografias: Vera Marmelo e Pedro Roque

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